sábado, 7 de fevereiro de 2009

1982 - A morte do futebol arte












Houve um tempo em que éramos quase imbatíveis. Tínhamos os melhores jogadores, jogávamos mais bonito. Era o chamado futebol arte. Porém, houve outra época em que, mesmo com grandes craques, não obtivemos grandes conquistas em copas. Foi um período de enormes decepções. A maior delas, a mais doída, a mais inusitada e, por isso mesmo, a mais esclarecedora, foi a derrota para a Itália na copa da Espanha, em 1982.

São nas copas que as novas tendências futebolísticas se projetam. Após a vitória da fantástica seleção de 70 – o melhor time de futebol de todos os tempos -, o Brasil chegou à copa de 74 (a primeira na Alemanha) enfraquecido. E, sem Pelé, Tostão, Gerson, Clodoaldo e Carlos Alberto, caímos, na semifinal, diante da grande seleção da Holanda, que praticava o chamado futebol total; seus jogadores não tinham posição fixa, atacavam e defendiam em bloco com a mesma eficiência. Por isso, foram chamados de “Carrossel Holandês”. E ainda possuíam um jogador fora de série: Johann Cruyff. Foi uma das maiores seleções que vi jogar. Infelizmente, a “Laranja Mecânica” azedou na final contra os duros alemães.

Em 78, na Argentina, nada de novo em termos táticos. A dona da casa sagrou-se campeã às custas de um dos maiores escândalos futebolísticos da história. Muita coisa estranha aconteceu naquela noite fria de Rosário, entre Argentina e Peru. Tínhamos uma boa seleção. Ficamos com um terceiro lugar invictos, e “campeões morais”. Mas, a sensação de frustração ficou no ar.
Então, chegamos em 82, na Espanha. Eram muitos craques: Zico, Sócrates, Falcão, Junior, Leandro. E ótimos jogadores, como Cerezzo, Éder, Oscar, Batista e Paulo Izidoro (o original). As exceções eram o esforçado, porém artilheiro, Serginho Chulapa – que só foi titular graças a contusão de Careca, então jovem revelação do Guarani – e o instável goleiro Valdir Peres. E, além de tudo, treinados por Telê Santana, o melhor técnico que eu, em mais de 30 anos de paixão pelo futebol, vi na vida. Um timaço. Ao contrário de outras seleções, o time não saiu desacreditado do Brasil. Todos confiavam nele e em sua capacidade.

Tivemos uma estréia dificílima contra a forte União Soviética. Em seguida, pulverizamos Nova Zelândia e Escócia. Por ser a primeira copa com 24 equipes, o regulando sofreu algumas modificações. Na segunda fase, os 12 times classificados foram divididos em quatro grupos de três seleções. Só o primeiro colocado se classificaria para as semifinais. Enfrentaríamos Argentina e Itália, nossos maiores rivais. A confiança era tanta que nada tirava a certeza do resultado positivo. E foi assim contra a Argentina. Foi indescritível a sensação que senti quanto vi aquele verdadeiro “baile”. E eles já tinham Maradona, que saiu expulso após uma “voadora” em Batista. Três a um. Na segunda rodada, os italianos vencem os argentinos por dois a um. Foi neste jogo que começou a brilhar a estrela de Paolo Rossi, que marcou ali seus primeiros gols no torneio. Brasil e Itália se enfrentariam novamente em uma decisão, como em 70 e 78. Jogaríamos pelo empate. Porém, ninguém em sã consciência tinha dúvida de que venceríamos de novo.

05/07/1982. Era um adolescente cheio de espinhas e apaixonado por futebol. Trabalhava em uma empresa de distribuição de medicamentos. Naquele dia, já acordei pensando no grande jogo. Em todas as rodas de amigos, no café, na hora do almoço, só se falava na partida. “Qual será o placar? De quanto iremos ganhar?” Às quatro da tarde, paramos para ver mais um show. Éramos mais de cinquenta pessoas aglomeradas em frente a TV. Estádio Sarriá, Sevilha. “O que aconteceu com o nosso time? Como aquela equipe medíocre pôde nos vencer?” Lembro-me perfeitamente do silêncio insurdecedor que surgiu após o apito final, da expressão de choro no rosto de quase todos. Foi horrível. Porém, a vida e o futebol seguiram em frente.

Muito se falou sobre aquela impressionante derrota. Para mim, foi ali que os europeus aprenderam a vencer o futebol arte. Em 54, 66 e 74, estávamos um degrau abaixo de Hungria, Portugal e Holanda. Em 82, muito pelo contrário. Os italianos jogaram com muita inteligência. Postaram-se em seu campo, com aquela forte marcação que os caracteriza e exploraram os contra-ataques. Algo muito visto nos dias de hoje, mas, não na época. O time brasileiro não sabia jogar na defesa. Atacar era sua maior virtude e acabou sendo seu ponto fraco.
Demoramos muito tempo tempo para assimilar aquela catástrofe.
Em 86, ainda fomos redimidos pela Argentina do genial Maradona. Em 90... bem, esta eu prefiro esquecer. Foi somente em 94, na copa dos EUA, em nova final contra a Itália, que colocamos em prática as lições deixadas pela “Tragédia de Sarriá”. Mas, isso é outra história.

Um comentário:

Alexandre Ofélio disse...

Parabéns!!! Cada vez melhor. A viagem foi maravilhosa através dos tempos, velhos tempos....

Futebol arte? Só saudades. Não vou esquecer nunca a foto do Jornal da Tarde - O menino chorando - 1982

Otimo texto...

Montanha