quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

CONTO DE PRIMAVERA V – Morte e Ressurreição

Não sabiam em que ponto haviam se perdido. Naquele momento, parecia não existir mais nada. Em vez de um grande vôo, veio a queda livre. Assim como Ícaro, suas asas derreteram-se ao se aproximar do sol incandescente. Estatelaram-se no chão. Suas chagas ficaram expostas a céu aberto. Utilizaram seus melhores disfarces para que ninguém as visse. Sobreviveram. Ela voltou a sua vida pacata e perfeita, onde antes acreditava que nada poderia atingi-la. Ele conheceu uma nova realidade: mesmo com todas as possibilidades de ter uma nova paixão, preferiu lamber suas feridas na solidão. A morte estava decretada.
Impossível expressar o tamanho da dor que sentiam. Não há nada pior no mundo do que a frustração pela perda de um amor que parecia imortal. Como explicar tantos desencontros em um encontro tão feliz como o deles? Apesar de tanto desencanto, não desistiram de amar. Quando a convivência diária voltou, o desejo e o tesão mostraram-se intactos. Em todo tempo que ficaram afastados carregaram em si um fio de esperança que os mantiveram vivos.
Teriam de tentar reconstruir o que parecia ter desmoronado. Era um trabalho árduo e cheio de desafios. Estavam juntos de novo, porém, separados por um muro de perdas e lamentações. O espelho que os refletiu parecia ter se quebrado. Mas, descobriram que ele foi blindado no vidro mais puro que existe, pelo fogo que os incendeia. Eis que, contrariando toda a lógica deste mundo, chegaram a conclusão de que não havia a mínima possibilidade de seguirem afastados. Aos poucos, a velha química estava de volta, ressuscitada. E as cobranças também. Ele a queria novamente por inteiro. Entretanto, ela ainda não se sentia preparada para tanto.
Seus dias transformaram-se em constantes batalhas pela posse um do outro. Ele, com seu temperamento forte e controlador, tornava o convívio diário infernal. Ela lutava contra todas estas dificuldades com o pouco de serenidade que lhe restava. A espera pelo melhor momento para se amarem como queriam era dolorosa para eles.
Após muitas e intermináveis quedas de braço (sem vencedores), chega a hora da explosão de sentimentos, da comunhão de seus corpos. Mas, o destino lhes prega outras peças. Exagerados que são, extrapolam seus limites físicos a ponto dela não conseguir se locomover. Triste ironia. Ele aguarda, ressabiado. Quando ela se restabelece e parece pronta, um novo tombo. Na ânsia de extravasar todo o sentimento represado, tropeçam em sua própria volúpia de amar. Foi como se tirassem o doce das mãos de uma criança. Eles ficam atônitos, incrédulos diante de mais este revés. Existiam forças invisíveis conspirando contra eles? A resposta não veio e talvez não venha nunca.
Não, este amor não pode sobreviver a mais este infortúnio. Outro, talvez. O deles continuou de pé. Porque está acima de todas as racionalidades, dos temores e da lógica que rege a vida dos outros mortais. Mesmo o outrora imenso e incontrolável medo que sempre a envolveu durante todo o período que estão juntos não consegue mais superar seu sentimento de se entregar a ele de novo. Ninguém os entenderia se soubessem de seus desejos. A liga de aço inoxidável que construíram não enverga e não enferruja nunca. É a perfeita aliança do verdadeiro amor.
Os planos e projetos estavam de volta, em meio as lutas cotidianas que travavam em suas vidas paralelas. A ele, só resta esperar que ela se recupere para tê-la novamente em seus braços da forma como sempre sonhou: como o macho que tem total domínio sobre sua fêmea e saciar a sede que sentem um do outro. Sabem que somente assim serão felizes por completo.