É incrível como após tantos anos, da derrocada do idealismo panfletário dos anos 60, passando pelo ceticismo dos 70, até o marasmo musical desta década e da incontestável contribuição musical, ainda hoje os chamamos pelo primeiro nome. Na história da música pop, nenhuma outra banda conseguiu uma proximidade tão grande e intensa com seus fãs quanto eles.
Após a morte de George, fui tomado por um sentimento de nostalgia sem precedentes. Foi como se tivesse perdido um primo distante e, a ferida que já estava cicatrizada desde o trágico assassinato de John começou a sangrar novamente. Então, a lembrança de passagens de minha infância e adolescência tornou-se mais viva. E o gosto por suas canções também.
Sempre que possível, mantenho-me informado sobre suas vidas. Ringo grava muito pouco e vive tranquilo em sua fazenda. Fiquei triste quando Linda, a esposa de Paul, faleceu de câncer há algum tempo. Felizmente, o velho Macca não só se recuperou do baque, como gravou uma sequencia de álbuns fantásticos, onde resgatou sua veia rock and roll. Quanto a George, o pior se confirmou em 29/11/2001. Era o mais místico dos quatro. Soube de sua morte dois dias depois, indo para o trabalho. Imediatamente meus olhos encheram-se d’água. Estava na companhia de minha esposa e minha filha. Então, segurei as lágrimas.
Acho que a paixão pelos Fab Four começou já na fecundação. Estávamos na década de 60, no auge de seu sucesso (inclusive aqui no Brasil) e a atmosfera daquela época estava impregnada por suas músicas – ainda bem, pois a partir daí os anos seriam de chumbo. Digo isto, porque minha mãe sempre conta a historia de que, já aos quatro anos de idade, toda vez que os ouvia, pulava e cantava como um louco, tentando balançar o cabelo como eles (em vão, claro). Lembro-me que vivia cantando Obla-Di Obla-Da pelos cantos, sem ter ideia do que significava (até hoje não tenho). Algum tempo depois, um de meus irmãos chegou em casa com toda a coleção deles. Todos os discos! E mais algumas coletâneas! Lá estavam, em minhas mãos, todas as canções da maior banda de todos os tempos! No inicio, comecei ouvindo as mais conhecidas: I Wanna Hold Your Hand, Help, Get Back. Aos poucos, passei a devorar todos aqueles discos de forma voraz. Mesmo durante a adolescência, no auge de meu gosto por rock pesado, nunca deixei de ouvi-los. Mesmo que, em alguns momentos, com menos frequência.
Nos períodos em que estiveram totalmente fora de moda (e da mídia), sempre encontrei malucos com o mesmo gosto “ultrapassado”. Discutíamos nossas preferências por canções, álbuns, sobre quem cantava melhor, ou quem era o mais legal. Sempre tive uma preferência especial por Paul e suas composições – que alguns críticos chamavam de canções de amor tolas. Ringo compunha pouquíssimo. Mas, sua importância para a unidade da banda é inquestionável. George, além de ser o responsável pela introdução de instrumentos indianos, que deu um toque mais místico à música do grupo, escreveu grandes canções como While My Guitar Gently Wheeps. Seu ponto alto foi no disco Abbey Road, onde compôs os dois maiores hits, mais duas excelentes músicas. John era a cabeça, o mais consciente, o mais político. É dele a primeira canção da banda que fugia dos temas românticos (Help). Também, as mais experimentais e maior conteúdo psicodélico.
Em um contexto geral, os maiores hits da carreira do grupo foram compostos por Paul. Porém, não é este o motivo de minha preferência. Ele criava desde as mais belas e singelas canções de amor (Yesterday e Eleonor Rigby, por exemplo), passando por baladas contagiantes (Hey Jude, Oh! Darling), rocks furiosos (Helter Skelter). Mesmo quando recriava clássicos de outros artistas, conseguia performances melhores que os originais (Long Tall Sally, de Little Richards, é o melhor exemplo). Considero-o um dos cinco melhores cantores de rock de todos os tempos. É dele a primeira canção do pop internacional que tenho consciência de ter curtido em seu tempo. Tinha uns sete ou oito anos e a música era “Band On The Run”. Além de tudo isso, minha admiração por ele multiplicou-se ainda mais após o lendário show que fez no estádio do Morumbi, em 1993. Os “mega-astros” Madonna e Michael Jackson, haviam acabado de passar por aqui, com aquelas exigências absurdas, muita frescura e um certo ar de desdém por qualquer coisa abaixo da linha do Equador. Alguns dias depois, chega Paul McCartiney, um dos melhores cantores e compositores de todas as épocas, ex-membro e fundador da maior banda (de rock, pop e afins) da história, com uma simplicidade e simpatia impressionantes. O cara tem uma importância para a música muito maior do que as outras figuras citadas, e mesmo assim, não precisou se esconder de ninguém, nem usar máscaras ou desprezar os fãs. Foi realmente uma grande lição de humildade e respeito.
Quanto aos álbuns, enquanto a maioria considera Sgt. Peppers insuperável, eu sempre achei o Álbum Branco, tanto pela versatilidade, quanto pela sua qualidade e despretensão, o melhor disco da banda. Mesmo com a deterioração das relações entre eles – as gravações transcorreram em um clima péssimo, chegando a ponto de quase não se falarem no estúdio -, o resultado final é genial. Depois dele vem o maravilhoso Abbey Road; Revolver – o verdadeiro divisor de águas da carreira do grupo; o revolucionário Sgt. Peppers; e Help, o melhor disco da primeira fase.
Pois é. Só agora, na casa dos 40, é que sinto com mais intensidade a importância da influência que eles exerceram e ainda exercem sobre mim. A paixão pela música e a musicalidade inerente. Considero-me um privilegiado por ter crescido com eles. Thank you guys!